Denúncia do MP/MS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) detalha que o delegado Eder Oliveira Moraes definiu as datas, o trajeto e deixou janela basculante aberta na delegacia de Aquidauana para o furto de 101,8 quilos de cocaína. A descoberta do crime levou a prisões e ao afastamento do delegado, que já era investigado desde fevereiro pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).
A droga foi apreendida em 30 de maio, pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) no compartimento oculto de um caminhão. Os 94 tabletes, que totalizaram 101 quilos, viajam de Corumbá para São Paulo.
A carga valiosa foi deixada num cômodo que funciona como depósito, na 1ª Delegacia de Polícia Civil de Aquidauana, que não tinha cofre. Os tabletes foram colocados entre dois armários. A sala, por medida de segurança, só era aberta com a presença de dois escrivães.
Contudo, conforme a denúncia, a cocaína pura despertou cobiça. “Ocorre que a presença de tamanha quantidade de cocaína pura na delegacia, droga de alto valor e raramente encontrada nesta cidade, levantou a cobiça do denunciado Eder, então delegado de polícia titular da 1ª Delegacia de Polícia de Aquidauana, em subtrair a referida carga ilícita e de sua venda auferir dinheiro”.
Ciente de que a droga não ficaria muito tempo em Aquidauana, o delegado fez contato com advogada Mary Stella Martins de Oliveira já no dia 3 de junho, abrindo tratativas para o furto. Ela é casada com Ronaldo Alves de Oliveira, condenado por tráfico de drogas e, atualmente, no regime aberto. Ronaldo calculou que o valor do quilo da cocaína era de R$ 5 mil.
De acordo com informações prestadas no interrogatório de Ronaldo, o lucro poderia ser maior, considerando o preço de R$ 15 mil em Campo Grande. Além da possibilidade de fazer misturas, aumentando o volume, com rendimento de R$ 25 mil pelo quilo.
Nessas tratativas, o delegado teria se responsabilizado por facilitar o acesso ao depósito. Conforme a denúncia, Eder indicou que o trajeto deveria ser pela sede do Sindicato dos Policiais Civis, que faz divisa com a parte dos fundos da delegacia. Na sequência, os ladrões deveriam pular o muro e entrar no depósito pela janela. Ele se responsabilizaria por danificar a alavanca que abria a janela internamente. As luzes do pátio dos fundos da delegacia também ficariam apagadas.
Na manhã de 5 de junho, o delegado foi ao depósito, na companhia de dois escrivães, para verificar a droga. Neste procedimento, quando estava com apenas uma pessoa na sala, pediu que ela fosse buscar uma caneta, permanecendo sozinho por menos de um minuto. Para o Ministério Público, tempo suficiente para soltar a alavanca da janela basculante do banheiro, permitindo que ficasse apenas encostada. No mesmo dia, a advogada foi à delegacia e fez fotos do muro com seu celular.
A execução da primeira etapa do furto, na madrugada de 6 de junho coube a dois presos que cumpriam pena no regime semiaberto. Eles foram contratados por Ronaldo. O pagamento acertado foi de R$ 23 mil. A dupla entrou no depósito pela janela e furtou parte da droga.
Interceptações telefênicas mostram diálogos entre Ronaldo e Mary Stella, atuando como batedores para que a droga passasse pela BR-262. Neste dia, com três tabletes de cocaína, Ronaldo comprou um Corolla. O veículo foi adquirido de um particular.
Depois, o delegado planejou a segunda etapa do furto, escolhendo a madrugada de 10 de junho. Como os primeiros executores tinham sido punidos por não pernoitarem no presídio, Ronaldo e outras duas pessoas entraram no local. Na noite do dia 9, apesar de ser plantão de outro delegado, Eder deu uma passada na 1ª Delegacia de Polícia Civil.
Câmeras de segurança de imóveis vizinhos mostram o deslocamento do Corolla no entorno da delegacia e permitem calcular que a ação durou meia hora. No entanto, os dispositivos eletrônicos tinham horários e datas em atraso.
Depois, as interceptações telefônicas mostram que o casal foi para Bonito. Exame no carro apontou vestígios de cocaína. Conforme o Ministério Público, não foi esclarecido o quanto de dinheiro seria arrecadado com a venda da droga.
Em de 6 de junho, Mary Stella recebeu dois depósitos R$ 4.070 e R$ 43.587. Os autores dos depósitos também foram denunciados. A advogada e Ronaldo informaram repasse de R$ 35 mil em dinheiro para o delegado. A investigação verificou que Eder fez depósitos de R$ 8.550 para credores.
A advogada Mary Stella foi presa em de 15 de junho. De acordo com representação da Corregedoria da Polícia Civil, com o pedido de prisão do delegado, o casal Mary Stella e Ronaldo manifestou a intenção de narrar a participação no crime, solicitando benefícios da delação premiada.
O documento não cita se o acordo foi feito. A reportagem entrou em contato da defesa da advogada. O advogado Antônio Cicalise pontuou não saber de delação e que todos os atos têm sigilo profissional.
O depoimento também informa que após a primeira busca na casa da advogada, em 11 de junho, o delegado trocou o número de telefone que usava para falar com Mary Stella e sugeriu interceptação de veículo do Ministério Público.
O delegado foi denunciado por peculato e Lei de Drogas (concorreu para que outrem trouxesse consigo, transportasse, guardasse, vendesse e fornecesse drogas, sem autorização e em desacordo com a lei). A denúncia foi protocolada em 2 de agosto na Vara Criminal de Aquidauana.
A promotoria pediu a prisão dos responsáveis pelos depósitos na conta da advogada, apontados como compradores da cocaína: Marcos Aurélio da Silva Carrelo e Gisele dos Santos Galdino. Em 20 de agosto, a as prisões preventivas foram negadas pelo juiz Ronaldo Gonçalves Onofre.
Denunciados – Nesta ação penal, foram denunciadas oito pessoas: o delegado Eder Oliveira Moraes, a advogada Mary Stella Martins de Oliveira, Ronaldo Alves de Oliveira (esposo da advogada), Kleyton de Souza Silva (adquiriu droga em troco do Corolla e transportou a cocaína), Mário Márcio Duarte Navarro (preso do semiaberto que executou o primeiro furto), Alex Sander dos Santos (preso do semiaberto que executou o primeiro furto ), Marcos Aurélio da Silva Carrelo (encomendou e adquiriu a droga) e Gisele dos Santos Galdino (encomendou e adquiriu droga).
O documento é assinado pelo promotor de Aquidauana, Antenor Ferreira de Rezende Neto, e por três promotores do Gaeco: Gerson Eduardo de Araújo, Thalys Franklyn de Souza e Tiago Di Giulio Freire.