Uma vida lembrada pelo trabalho, amor e honestidade. João Faustino Alves, conhecido pelos amigos como “João Mantêga” se despediu há cinco anos, mas é lembrado pelo bem que fez por onde passou. Agora, seu nome será eternizado na estrada vicinal CG 160.
O projeto apresentado na Câmara foi sancionado pela Prefeitura de Campo Grande no dia 17 de julho e hoje, a Lei 6.236 denomina a estrada vicinal CG 160 como João Faustino Alves – João Mantêga.
A Reportagem conversou com as filhas de João para saber as histórias de quase oito décadas de vida. Com lembrançãs “preciosas”, a professora doutora Eva Faustino da Fonseca de Moura Barbosa, de 52 anos, a penúltima filha do homenageado conta que o pecuarista nasceu, em 1936, na Fazenda Esperança, área localizada entre os córregos Paraíso e Esperança, na região do Distrito do Anhanduí. Ele foi o caçula de seis filhos de Leovegildo Faustino Nogueira (1903) e Vergilina Alves Nogueira (1908).
Bodas de Ouro de Leovegildo e Vergilina. Na imagem também aparecem João, Daíla e os filhos. (Foto: Arquivo Pessoal).
E o apelido? – A fazenda Esperança se tornou ponto de parada de boiada que vinha do Pantanal, sede de escola e local de criação carneiros, gado leiteiro e de corte, além do “point” da produção de rapadura, queijo e a famosa manteiga. Por isso, Leovegildo ficou conhecido como Mantegão, apelido repassado a João e a seu irmão mais velho José.
“Meu pai no decorrer da vida também produziu muita manteiga. Ele vendia no antigo box do Alemão. E assim que começou a fazer ações sociais, em diversas igrejas católicas, o apelido se oficializou”, lembra Eva.
Depois de servir o quartel em Campo Grande, João se mudou para o Pantanal do Paiaguás, na Fazenda Água Rasa, onde ficou por dez anos, e ao retornar à Anhanduí se casou com Daíla Ferreira da Fonseca, em 1962. Dois anos depois, o casal foi trabalhar no Pantanal do Rio Verde, na Fazenda Água Rasa, mas voltaram à Fazenda Esperança, em 1967.
A fazenda foi vendida em 1972 e com o dinheiro recebido do pai, João comprou a primeira propriedade, a Fazenda São João, de 848 hectares, em Dois Irmãos do Buriti, onde viveram por 21 anos. Antes de deixar a cidade, os ex-funcionários ganharam casas para continuarem suas vidas.
“Papai não teve tantos funcionários, pois os que trabalharam conosco ficaram por muito tempo. Mas cada um que decidia seguir a vida e se mudar para a cidade, ele dava uma casa. Além disso, ele ainda mobiliava o imóvel. Os funcionários sempre foram muito importantes para o meu pai, comiam na nossa mesa e eram convidados a servir a refeição primeiro”, conta Vergilina.
O casal teve quatro filhos, o advogado e pecuarista Darlei Faustino da Fonseca, de 56 anos, a pecuarista Vergilina Maria, de 55 anos, a professora e pecuarista Eva e a caçula, a servidora pública estadual Jaci Faustino Fonseca, de 51 anos.
Em 1993, João, esposa e os filhos se mudaram para Camapuã, onde compraram a Fazenda Horizonte as margens da MS-436 que pertence a família até hoje. Na área de 1170 hectares, João Faustino Alves permaneceu até morte. Atualmente, devido à idade e distância, Daíla mora em Campo Grande.
Para quem não o conheceu é fácil de imaginar. Festeiro, João gostava de dançar, beber uma cachacinha, encher a mesa de amigos e familiares e jogar truco. Sempre com chapéu na cabeça, a camisa e a calça de linho eram suas vestimentas favoritas. Fã de um tereré ou mate, o pecuarista era palmeirense roxo e amava o pastel vendido no Mercadão Municipal e as esfihas do Thomaz, onde ia com uma das netas.
Vergilina à esqueda e Eva à direira. Jaci ao centro da fotografia relata como o pai era querido. (Foto: Paulo Francis)
A parte mais emocionante da entrevista aconteceu, quando a reportagem perguntou “quem foi João Mantêga?”. Os olhos das filhas se encheram d’água e um silêncio pairou no ar até conseguirem falar. Apesar do clima comovente, a vida do pai era tão cheia de boas ações que sorrisos voltaram as estampar seus rostos.
Vergilina lembra que o pai era muito correto e vivia, categoricamente, o trecho bíblico do livro de Mateus: “o que a mão direita faz, a esquerda não precisa ficar sabendo”.
“Dois meses depois da morte de papai, me encontrei com uma ex-funcionária dele, chamada Maria. Eu nunca tinha visto aquela mulher na vida, mas me perguntou se eu era uma das filhas e descreveu tudo que meu pai tinha dado a ela, inclusive os óculos de grau que estava usando. O tempo passou e um dia fomos comprar mandioca na cidade e descobri que a vendedora, se tratava da mesma pessoa. Ela ocupa os terrenos baldios da cidade com plantações de mandioca, mas não vende a raiz, ela troca por outras coisas. Mas em resumo, perdemos as contas de quantos freezers e geladeiras foram doadas para as pessoas”, lembra Vergilina.
Entre passagens por vários lugares, o casal somou 54 afilhados, entre batismos, crismas e casamentos. “Logo que ele comprou a fazenda em Camapuã, região que ele já conhecia muita gente devido a presença de familiares na cidade, ele começou a frequentar festas. A gente brincava que se demorasse muito para ele arrumar algum afilhado ele iria começar a distribuir santinhos avisando sobre sua chegada. Mas nem precisou de muito tempo ”, brinca Jaci.
Mesmo após o falecimento, João Mantêga é muito presente na vida das filhas. “Ele significava e ainda significa muito para nós. Nós fazemos questão de que ele permaneça vivo em nossas vidas, para o nosso consolo”, pontua Eva.
De gênio forte, o famoso “bruto, rústico e sistemático”, João não gostava de ser contrariado. Mesmo assim tinha um coração que não cabia no peito. Muito festeiro, mas também seguro sobre os gastos financeiros chegou a desistir da celebração de Bodas de ouro devido à proporção que a festa atingiria.
“Papai sempre foi muito organizado, um exemplo foi quando saiu de Dois Irmãos do Buriti. A justificativa era de que ele poderia crescer. Quando chegou a Camapuã, a vida melhorou, mas sempre muito seguro, não gostava que os outros pensassem que estava esbanjando, um exemplo foi quando surgiu a ideia de fazer a festa dos 50 anos de casamento. Ele começou a pensar nos convidados, no tamanho da festa e quando custaria, até que desistiu”, conta Jaci.
Mantêga tinha medo de falir, como aconteceu com muitos amigos e costumava não gastar com algo sem necessidade. Muito presente na vida de todos, João não era um simples avô, tio ou irmão.
“Tinha muita consideração por todos ao seu redor. Em 1999, quando a irmã mais velha ficou viúva (hoje com 87 anos), meu pai a ajudou a se organizar por mais de oito anos. Ele foi o braço direito dela. Fez a divisão certinha dos bens e graças a ele, ela continuou a vida sem precisar envolver terceiros”, lembra Vergilina.
Uma das netas, a advogada Fernanda Faustino Barbosa, atualmente mora no Canadá, mas até hoje leva os ensinamentos do avô. “Meu avô foi uma pessoa muito valorosa e com ele aprendi que devemos estar dispostos a ajudar o próximo, pois ao longo de sua vida eu o vi se dedicando as pessoas, principalmente as mais humildes. Isso é o que ele me deixou como lição de vida”, frisa.
A doença – João Mantêga foi fumante ao longo da vida e desenvolveu uma bronquite crônica. Em 2008 passou por uma cirurgia na garganta e, em 2012, após uma pneumonia foi diagnosticado com câncer na laringe.
“Na época da primeira cirurgia, o médico já havia avisado que ele poderia ter câncer. Em abril ele teve uma febre forte e aqui em Campo Grande foi diagnosticado com pneumonia, em junho, um novo exame descobriu o câncer. Mas ele não pôde ser operado devido à pneumonia”, lembra Eva.
O médico optou pela rádio e uma semana depois da primeira sessão parou de respirar. Uma traqueostomia foi colocada, no dia 26 de junho. Em fevereiro de 2014, ele ainda tinha esperança de passar por uma cirurgia.
“O médico alimentou a esperança e todos nós nos apegamos a isso. Até que ele nos chamou, nós quatro, e avisou que a cirurgia não aconteceria. Em seguida disse ao papai. Se nós desabamos, imagina ele?”, indagou Jaci.
João faleceu um mês após a notícia. Dez meses depois do diagnóstico. Mas antes disso, ele pediu para voltar para casa. Como o quadro era estável foi liberado. No dia 15 de maio, aniversário de uma das irmãs, o pecuarista estava ativo, escolheu a roupa e pediu para tomar banho de sol.
“Foi o último banho de sol. Depois desse dia ele entrou em um coma, mas nunca deixou de nos ouvir. Como era palmeirense, nem em coma, não negou a paixão. Na semana que ele faleceu, cheguei e cantei um trecho do hino do Palmeiras e ele mudou a feição, meio que sorriu. Quando cantei o hino do Corinthians ele fechou a cara. Nos surpreendemos, pois ele estava ouvindo”, lembra Jaci.
João deixou a esposa, os filhos e cinco netos. Ele foi o homenageado da vez no quadro “O que ficou de quem partiu?”.