No caminho inverso, repórter Camapuanense escolheu intensidade da Venezuela para trabalhar

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A intensidade de um país com mais petróleo que a Arábia Saudita – mundialmente visado por interesses econômicos – fez Fania Rodrigues se apaixonar. Enquanto uma massa de milhões de pessoas abandonou a região, a sul-mato-grossense foi contra a corrente e compartilha com todos como é viver hoje na Venezuela.

Ela nasceu em Camapuã, mas viveu até os 15 anos no distrito de Pontinha do Cocho, na chácara da família. Para terminar os estudos, se mudou com a irmã mais velha para a casa da avó na área urbana do município e, durante um ano, enfrentou diariamente 290 quilômetros para ir e voltar de Campo Grande para cursar a universidade.

“Na época meus pais não tinham condições de manter uma casa em Campo Grande, mas dentro da própria faculdade eu consegui estágios e 100% de bolsa. A partir daí consegui me mudar para a Capital. Na época, também participei de um programa do governo em que se trabalhava 4 horas dentro de um órgão estatal e o governo pagava 70% do curso. Os outros 30% eu pagava com o estágio dentro da própria universidade”, lembra.

Dois meses depois de colar grau no curso de Jornalismo, em março de 2006 Fania partiu com destino ao Rio de Janeiro, sem trabalho, mas com contatos de produtores de artistas que havia conquistado durante o estágio na Secretaria de Cultura de Mato Grosso do Sul. O primeiro emprego veio por meio da equipe do rapper MV Bill, que Fania havia conhecido durante o Festival América do Sul, em Corumbá.

Nove anos se passaram e, em 2015, ela começou a trabalhar na sucursal do jornal semanal BDF (Brasil de Fato). Bastaram mais dois anos para que ela fosse convidada a ser uma correspondente na Venezuela. O período já era bem conturbado devido aos confrontos entre Chavistas e a oposição, mas a escolha teve uma razão. Fania já havia morado no país, quando após um mochilão turístico passou em um teste no canal de televisão internacional Telesur.

Entrevista com ministro da Cultura da Venezuela, Ernesto Villegas. Entrevista com ministro da Cultura da Venezuela, Ernesto Villegas.

“Durante o mochilão conheci a Telesur por meio de um amigo. Na mesma semana um brasileiro tinha saído de férias e eu recebi um convite para fazer um teste. Em princípio, eu disse que só estava fazendo turismo, mas gostei e fiquei. Claro, voltei ao Brasil avisei a família e retornei. Morei o ano todo de 2012. Então, a proposta em 2017 surgiu porque eu era a única jornalista que conhecia a Venezuela”, lembra.

Fania desembarcou na Venezuela em agosto do mesmo ano, e apesar das visitas ao Brasil, neste mês, a jornalista completa dois anos contínuos no país, que vive um colapso econômico e crise humanitária.

Migração em massa – Em 2018, dados da ONU (Organização das Nações Unidas) estimavam a saída diária de 5 mil venezuelanos, e um total de 3 milhões de pessoas nos últimos anos. Ainda segundo a organização, o número deve subir para mais de 5 milhões até o final de 2019.

A reportagem, Fania pontua que o Governo venezuelano admite o problema da migração massiva, mas que, neste momento, o que está em debate no país são as causas dessa debandada. Segundo ela, a oposição bate na tecla da crise causada pela ineficiência do estado e corrupção, enquanto o governo rebate dizendo que o êxodo da população é fruto do bloqueio nacional, da guerra econômica provocada pelos opositores e pelos Estados Unidos.

Entrevista com presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Diosdado Cabello, o número dois do chavismo depois de Maduro. Entrevista com presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Diosdado Cabello, o número dois do chavismo depois de Maduro.

Por que ficar? O clima é tenso e a mudança pode ser drástica a qualquer momento. Mas é, justamente, a situação de “coração da mão”, o combustível que mantém a jornalista em terras estrangeiras.

“Na comida, por exemplo, não senti diferença porque eles comem arroz, feijão, carne. A música muda porque eles curtem salsa, mas o país é agradável, maravilhoso. Caracas, é uma eterna primavera e está a 1000 metros de altitude, então, nunca faz muito calor ou frio intenso. O clima é uma das melhores partes. É claro que mídia passa um país em guerra, mas as pessoas são muito calorosas. Eu costumo falar da intensidade desse país. Uma semana aqui (Venezuela) equivale a um mês em outro país. A todo momento muda tudo e faz um giro político, então, você tem a impressão de que é tudo mais intenso”, explica.

A jornalista elogia o hospitalidade dos venezuelanos e garante que a mesma intensidade dos acontecimentos que fortalece os laços afetivos e de amizade também deixa todos em alerta. “As pessoas ficam nesse estado de ânimo, excitação, de alerta, porque a qualquer momento pode acontecer uma coisa nova. O lado ruim é que você está sempre com o coração na mão, mas o lado bom é que as amizades e relações afetivas ficam mais intensas. Às vezes vou a Cuba ou México fazer cobertura, mas eu e uma colega da Espanha que nos comunicamos o tempo  todo”, frisa.

Em produção de um livro sobre os sete anos do governo Maduro, Fania não pretende voltar ao Brasil até a conclusão da obra e ainda estuda a possibilidade de trabalhar em outro país. A brasileira é a única jornalista permanente no local e todo o trabalho enviado ou discutido com o Brasil é virtual. Além disso, Fania escreve sobre tudo, de política a esporte. “É uma responsabilidade muito grande, porque se uma bomba cai você tem de pular da caminha e ir cobrir”, pontua.

Fania admite que a própria função de jornalista internacional já é impactante e se arrisca em dizer que quando o profissional entra na espiral de intensidade, principalmente, num país como a Venezuela, a zona de conforto é quando chega o equilíbrio. “O país está calmo desde junho, então a gente fica achando estranho, porque é o nosso trabalho falar sobre isso. A gente fica meio viciado nessa velocidade de notícias”, diz.

Durante a cobertura na fronteira da Venezuela com a Colombia. Durante a cobertura na fronteira da Venezuela com a Colombia.

As últimas situações tensas que envolveram hematomas e ameaças de esquartejamento ocorreram, em fevereiro de 2018, na fronteira com a Colombia. A disputa entre militantes Chavistas e do lado colombiano apoiadores de Guaidó, como o presidente da Colombia, do Paraguai, do Chile e dos EUA, não envolveu armas de fogo, mas muitas pedradas.

“Foi um combate que durou uns três dias. Entre pedras e disputa fiquei cheia de hematomas, todos os jornalistas ficaram. Mas a situação mais tensa, nem saiu na imprensa. A zona de disputa é de influência paramilitar colombiana. Os paramilitares fazem o contrabando de gasolina e movimentam o tráfico de drogas. A presença da imprensa incomodava muito, pois tiveram que parar. Em um dos dias, fotografaram os jornalistas presentes e circularam os rostos em uma rede de WhatsApp de usuários locais com a seguinte frase: o que aconteceria se fossem sequestrados? A inteligência venezuelana filtrou. Na semana seguinte foi pior ainda, a paramilitares publicaram um vídeo com os jornalistas e ensinavam como picar jornalistas. Esse período da cobertura foi o ápice e os presente tiveram de andar escoltados, além do reforço da segurança nos hotéis”, lembra.

Questionada sobre como avalia a queda de braço entre o governo de Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez e do opositor Juan Guaidó, Fania garante, que o povo na rua vai dizer.

“O tempo que ainda vai durar essa disputa depende mais da oposição venezuelana do que do Governo Maduro, porque dentro da própria oposição tem divisões e fraturas muitos fortes. Guaidó é de um partido pequeno, o Vontade Popular. Então existe uma disputa interna que terá de ser resolvida em janeiro, porque eles têm de votar para manter ou não Guaidó como presidente da Assembleia Nacional, o Congresso venezuelano ou se vão eleger outro. Então, Guaidó ficaria num limbo se ele escolhessem outro líder. Mas de qualquer forma, o que conta no final é popularidade. Aqui na Venezuela ganha quem coloca mais gente na rua”, explica.

Parte do salário de Fania é depositado no Brasil e o restante na Venezuela. Como parte da negociação devido à crise econômica e consequentemente de segurança do país, a jornalista é credenciada em todos os órgãos obrigatórios e leva uma vida confortável em uma região de classe média, com comércio e via rápida para casos de deslocamentos urgentes. A qualidade de vida, segundo a jornalista, se assemelha a que levava no Rio de Janeiro.

Fania é muito grata a formação no Mato Grosso Sul. Ela ressalta que foi graças aos professores que teve oportunidade de disputar em pé de igualdade com profissionais formados em grandes Universidades em São Paulo e Rio de Janeiro.

“Eu nunca senti nenhuma diferença em termos de formação profissional. Nunca me senti inferior. Então, a atitude dos meus colegas mostrava a autoestima baixa, já que eles diziam que quem se forma em Mato Grosso do Sul não pode deslumbrar uma carreira nacional ou internacional, que é uma bobagem. E foi minha formação que me deu base para vislumbrar carreira fora do Estado e do Brasil. Então sou muito grata aos meus professores, Daniela Ota, que hoje é professora na UFMS, ao professor Jacir Zanatta, que aprendi muito e brigamos muito. Hoje é professor na UCDB, mas é uma pessoa que tenho imensa gratidão e graças a pressão para estudar que eu consegui ter uma boa formação e ser uma correspondente internacional”, finaliza.

Fania em um dos transportes do governo. Fania em um dos transportes do governo.
Fonte: CG News
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