‘Quarteirização’ se espalha por prefeituras de MS e prática de subcontratação gera polêmica

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Depois da onda de terceirização, prefeituras de municípios sul-mato-grossenses têm embarcado cada vez mais na prática de ‘quarteirização’ dos serviços públicos. A prática consiste em subcontratar empresas para gerenciar o fornecimento de itens diversos. Alvo de inúmeras liminares no TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul), o modelo gera polêmica por criar extensa rede de lucro obtido com as necessidades do poder público, dificultar a fiscalização e até abrir margem para formação de cartel com fornecedores.

A maior parte dos processos que resultam em suspensão das licitações são os relacionados ao fornecimento de combustíveis. Nos últimos meses, problemas com contratações na modalidade de quarteirização foram registradas nos municípios de Deodápolis, Terenos, Coxim e Nova Alvorada do Sul.

Nos processos feitos nesses moldes, a prefeitura licita a contratação, mas a empresa vencedora não é produtora e nem sequer fornecedora do produto. Seu trabalho é cadastrar uma rede de postos e gerenciar o abastecimento por meio de cartão magnético. Ela recebe então percentual sobre tudo o que for gasto pela prefeitura. A modalidade é a mesma usada para compra de peças e manutenção nas frotas de diversos municípios do Estado. Os serviços podem incluir reparos, trocas de óleo e até remoção por guincho.

No dia-a-dia, esse sistema tem gerado polêmica. Isso porque o entendimento do TCE-MS é que a adoção da quarteirização exige ‘conhecimento profundo’ da melhor forma de contratar sem que isso acarrete prejuízo aos cofres públicos. Mas, a realidade dos municípios é justamente a falta de especialização, que vem sendo apontada constantemente por diversos gestores sempre que são multados por falhas nas licitações.

Presidente da comissão de Direito Público da OAB-MS e vice-presidente do Idames (Instituto de Direito Administrativo de Mato Grosso do Sul), o advogado Jean Pierre Vargas afirma que a prática de quarteirização que tem se tornado generalizada nas compras públicas não encontra amparo legal porque a Constituição, em seu artigo 37, é clara ao dizer que compra ou contratação pública exige licitação. “A quarteirização é um sistema que se originou da prática, da busca da praticidade, encontrou-se uma forma. No Estado e Governo Federal estão praticamente todos utilizando, mas não encontra respaldo legal”, afirma.

“Essa prática acabou levando empresas a se lançarem no mercado oferecendo seu sistema, um software que proporciona gerenciamento, mas isso não tem amparo legal porque em regra você tem que licitar a compra de combustíveis, de peças, de contratação de mão-de-obra técnica. É isso que diz a lei”, pontua.

Apesar de reconhecer as facilidades geradas para o poder público, o advogado ressalta que o sistema dificulta a fiscalização, pode causar prejuízos à administração pública e inclusive propiciar a formação de cartel entre os fornecedores cadastrados. “Ganhou-se praticidade, mas perdeu controle do acompanhamento de preços porque isso fica no âmbito do sistema. Gera um cartel, leva prejuízo à administração”, pontua, por conta da administradora ficar responsável por cotar preços com as demais empresas.

Com a Lei de Licitações em fase de discussão na Câmara Federal, o advogado acredita que haverá implicações no sistema de subcontratações que tem se espalhado. “Ou isso vai pra lei e se organiza ou vai acabar”, sentencia.

Taxa negativa

Prefeito de Bataguassu e presidente da Assomasul (Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul), Pedro Arlei Caravina (PSDB) não comenta os casos específicos de irregularidades na quarteirização, mas garante que o modelo é o mais econômico para os cofres públicos.

No caso dos combustíveis, explica, a maneira anterior era com a prefeitura abrindo licitação para contratar diretamente os postos de gasolina. O problema era que em deslocamentos para fora do Estado, por exemplo, ambulâncias de transportes de pacientes não tinham como abastecer. “Com o sistema de gerenciamento, a empresa cadastra postos em todas as regiões que a prefeitura usa e com o cartão abastece nesses postos”, explica.

A opção seria abrir licitação a postos nos locais onde a prefeitura costuma abastecer fora do Estado. Mas, o prefeito diz ter tentado essa opção e nem sequer apareceram interessadas uma vez que a pequena quantidade comprada pela prefeitura, e por várias outras no Estado, não interessa empresas de fora.

Por isso a opção pela rede credenciada via cartão magnético. Entre as vantagens, Caravina cita o preço à vista que costuma ser pago pelas prefeituras e o desconto oferecido pelas empresas vencedoras da licitação. Essa seria uma das formas pelas quais o município levaria vantagem no processo. “Em Bataguassu, por exemplo, a taxa de administração da empresa é de 3,5% negativo. Ao invés de cobrar taxa da prefeitura, a empresa que venceu a licitação nos dá 3,5% de desconto”, garante.

Lucros

Em casos como o mencionado por Caravina, onde ficaria o lucro da empresa vencedora da licitação se além de não receber da prefeitura ela ainda oferece desconto sobre o valor cobrado pelo posto? De acordo com ele, a cobrança recai toda sobre o fornecedor que, para integra a lista de credenciados da quarteirizada, oferece desconto em relação às peças, combustíveis e quaisquer serviços oferecidos.

Na prática, então, as empresas que vencem licitação recebem para pechinchar preços e indicar fornecedores à administração pública. “Os municípios maiores já usavam esse sistema e agora os outros estão adotando. Antes era só uma empresa fornecedora, agora tem muito mais empresas no mercado”, detalha Caravina. “Quanto mais, melhor”, avalia ele sobre a concorrência.

O presidente da Assomasul diz que, apesar de entendimento do TCE contrário às quarteirizações, não há como o modelo acarretar prejuízo aos cofres públicos. Na avaliação dele, a adoção do sistema seria problemática somente ‘se a quarta empresa tivesse lucro sobre a terceira e a terceira sobre a segunda’. “Fica parecendo que a empresa está ganhando em cima do município. Na maioria das vezes, elas cobram das empresas cadastradas, mas o município não está pagando duas vezes nem quarteirizando e tendo mais despesa com isso, é só um sistema de gerenciamento”, finaliza.

Suspensos 

Quando há erros na subcontratação, a opção dos órgãos de controle têm sido suspender as licitações. No município de Deodápolis, em março deste ano a implantação do sistema informatizado que atenderia a frota foi barrada por liminar da Corte de Contas. Entre as falhas apontadas no processo, que tinha valor estimado de R$ 1,7 milhão, estava a falta de especificação sobre quantitativos e valores dos serviços que seriam administrados, como a estimativa dos gastos de combustível. O TCE-MS questionou a própria modalidade da contratação, alegando ausência de estudo demonstrando a vantagem da contratação da empresa para administrar a frota e como ela traria economia ao município.

Em Terenos, decisão do mês de junho também questionou a modalidade adotada para a contratação de empresa que faria gestão de sofwtare especializado na gestão pública. Como falhas, foram apontados itens que prejudicavam a competitividade do certame,  contradição em algumas cláusulas e ausência de ampla pesquisa de preços.

 No caso de Coxim, a suspensão foi motivada porque no entender do TCE a prefeitura não fez o rito básico para adotar a modalidade de quarteirização. Na decisão, o conselheiro Waldir Neves Barbosa concedeu por liminar a suspensão imediata do pregão, por entender que o município ”não está autorizado a licitar a contratação de empresa no ramo pertinente para o fornecimento de combustíveis, com sua intermediação e gerenciamento, por meio de cartão magnético e sistema eletrônico, sem a adoção da primeira etapa do planejamento, necessária a embasar toda a confecção do termo de referência”.

O mesmo ocorreu  em Nova Alvorada do Sul com licitação no valor de R$ 6,77 milhões para compra de peças, combustíveis e manutenção para a frota do município. Segundo a decisão, a divisão de contratações públicas encontrou uma série de falhas no edital. Entre elas, a ausência de comprovação de que o modelo escolhido – com empresa gerenciando o serviço por meio de software – traria economia aos cofres públicos.

 

 

 

 

 

fonte: midiamax

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